quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O artigo abaixo foi elaborado para ser publicado em um livro sobre Estágio Supervisionado, organizado pelos professores do curso de Letras de Monteiro. Estamos esperando que o livro seja publicado esse ano. Todavia, enquanto não sai, talvez seja válido publicá-lo aqui. Pode ajudar a pensar a construção de sequências didáticas que envolvam língua e literatura.



SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO ENSINO DE LITERATURA E LÍNGUA MATERNA: COMO PLANEJAR, COMO PRATICAR?

 

SILVA, Jacklaine de Almeida

 

Resumo

No tocante ao planejamento didático, temos, hoje, alguns estudiosos que defendem um trabalho voltado para a elaboração e desenvolvimento de sequência didática, como Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), Nascimento (2005), Lino (2006), entre outros. Na esteira desses estudiosos, pensando em uma perspectiva de ensino que abarque literatura e língua materna de forma contínua, este artigo se propõe a apresentar, para estagiários e professores, reflexões sobre planejamento de ensino (em forma de sequências didáticas), e de como pô-las em prática, a partir de uma perspectiva que englobe leitura, leitura literária, análise linguística, produção textual e demais aspectos que envolvem uma perspectiva interativa de ensino, como sugerem alguns documentos oficiais, a saber: Parâmetros Curriculares Nacionais (1999), Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006) e Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006).

 

PALAVRAS-CHAVE: Ensino; Sequência didática; Literatura e Língua Materna.

 

Considerações iniciais

 

O ensino de “Língua Portuguesa”, enxergando-a como uma disciplina na qual conjugam leitura (literária ou não), produção textual e análise linguística, anseia proporcionar ao aluno o desenvolvimento de uma capacidade crítica para a qual é imprescindível o domínio da língua. O Curso de Licenciatura Plena em Letras da Universidade Estadual da Paraíba, com base nesse pressuposto, fornece aos graduandos componentes curriculares de práticas de ensino, denominados “Estágio Supervisionado”, cujo objetivo principal é conduzir os discentes à transposição didática das teorias apreendidas no decorrer do curso.

Desse modo, os alunos universitários, como professores em formação, podem vivenciar, juntamente com as turmas colaboradoras da rede pública de ensino, variadas situações sócio-comunicativas que permeiam o dia a dia escolar e extraescolar.

            Em nossa experiência como professora-orientadora do componente, na Universidade Estadual da Paraíba, Campus I, percebemos que a etapa que os alunos têm mais dificuldade de cumprir é o que Almeida (2007) denomina de “transposição didática”, cuja finalidade é transformar o conhecimento científico, adquirido na universidade, em conhecimento escolar, a ser obtido pelos alunos na escola.

            Planejar não é tarefa fácil, mas colocar esse planejamento em prática ainda é uma barreira para muitos estagiários e professores formados. Por esse motivo, nosso objetivo, nesse capítulo, é refletir sobre formas de planejamento de ensino, através da elaboração e aplicação de sequências didáticas. Para isso, fazemos alguns apontamentos sobre o material de que dispomos para nos guiar nesse processo, dentre eles, alguns documentos oficiais de ensino, disponibilizados pelos governo federal e estadual.

As reflexões aqui apresentadas foram pensadas para o ensino médio, todavia, podem ser aproveitadas e/ou adaptadas para o ensino fundamental

 

Ensino de literatura e língua materna: o que dizem os documentos oficiais de ensino

 

Os professores das escolas públicas do estado da Paraíba dispõem, hoje, de pelo menos três documentos de ensino que o auxiliam a planejar e desenvolver um trabalho de ensino de modo eficaz, baseados na oferta do ensino médio, regulamentada nos artigos 35 e 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (n° 9.394/96). Dois desses documentos foram elaborados, e distribuídos entre os professores de escolas públicas, a nível nacional: Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que surgiram em 1999, e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), publicadas em 2006. Os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (RCEM-PB) foram elaborados a nível estadual, no mesmo ano das OCEM, em 2006.

 O objetivo desses documentos é garantir aos professores o direito de usufruir do conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania. Como não possuem caráter de obrigatoriedade, pressupõe-se que serão adaptados às necessidades locais. São, portanto, uma referência para os objetivos, conteúdos e didática do ensino.

Os PCN (1999) objetivam a construção do conhecimento escolar por meio da contextualização e interdisciplinaridade, vinculando-se com os diversos contextos da vida dos alunos. Referente ao ensino de literatura, criticam o ensino tradicional, que privilegia a história da literatura, e evidenciam a leitura do texto literário, defendendo um ensino baseado no diálogo, que objetiva o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico com flexibilidade, a partir da interação texto/leitor.

Esses documentos incorporam literatura, gramática e produção de texto em uma estrutura maior que chamam de linguagem, afirmando estarem defendendo a interação. Contudo, colocar a literatura no mesmo patamar de outras leituras é, no mínimo, perigoso, tendo em vista as especificidades e finalidades dos textos literário e não-literários.

As OCEM (2006), diferentemente dos PCN (1999), trabalham na perspectiva de capítulos separados para língua materna e literatura, reconhecendo as especificidades de cada área. Por esse motivo, acreditamos que as duas áreas do conhecimento, em estágio supervisionado, devem ter professores especializados em cada área, embora desenvolvendo um trabalho dialogado, o que não ocorre em nenhum dos documentos oficiais que o governo disponibiliza.

O capítulo intitulado “Conhecimentos de língua portuguesa”, elaborado por três profissionais da área de Linguística e Linguística Aplicada, defende a formação inicial e continuada do professor, apresentando reflexões sobre teoria e prática de ensino de língua, buscando promover o letramento, com o objetivo de contribuir “para que os alunos se construam, de forma consciente e consistente, sujeitos críticos, engajados e comprometidos com a cultura e a memória de seu país. (OCEM, 2006, p. 33). Para isso, o texto propõe o ensino através do planejamento e aplicação de sequências didáticas, apresentando sugestões práticas, sempre preocupadas com o planejamento a partir do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. As OCEM já assinalam a necessidade de uma efetiva reorganização da formação inicial e continuada do professor, principalmente no ensino superior.

O capítulo intitulado “Conhecimentos de literatura”, elaborado por três profissionais da área de literatura, se ancoram na Estética da Recepção e do Efeito, preconizadas por Jauss (1994) e Iser (1979), respectivamente, apresentando reflexões sobre a prática docente como objeto de reflexão permanente. O texto inicia com uma crítica aos PCN, uma vez que estes incorporam a literatura no estudo de linguagens, sem observar as especificidades de construção e metodologia inerentes à literatura. Nesse sentido, as OCEM buscam atualizar as discussões que têm sido travadas nos PCN, no que se refere à literatura. Para isso, lançam mão do fato de a literatura ter finalidades específicas: humanizar o homem coisificado, o que é a perspectiva defendida por Antonio Candido. Nessa perspectiva, assim como nos PCN, colocam as informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias para um caráter secundário, privilegiando a leitura do texto literário, objetivando, portanto, “letrar” literariamente.

As OCEM deixam claro que, apesar dos PCN criticarem o ensino tradicional de literatura, não indicam suportes metodológicos que possam vir a mudar essa realidade, o que a proposta das OCEM vem complementar, a partir de um trabalho voltado para o estudo efetivo (leitura e debate) de gêneros literários. O texto apresenta como um dos principais problemas do ensino na escola pública o planejamento baseado na sequência oferecida pelos livros didáticos: contexto histórico e estilístico, características da escola literária, autores representativos e, por fim, textos literários (muitas vezes fragmentados e pouco trabalhados). De acordo com as OCEM, se há um PPP na escola, ele deve servir de guia para o planejamento do professor. Se o PPP ainda não foi elaborado, é hora de a escola efetuar esse trabalho.

 Quanto ao trabalho de ensino de literatura voltado para o vestibular, afirmam que “o professor não pode submeter seu programa ao programa do vestibular: ele deve oferecer ao aluno condições satisfatórias de aprendizagem para que possa sair-se bem em provas [quaisquer] que exijam um conhecimento compatível ao que foi ensinado” (OCEM, 2006, p. 76). A centralidade do trabalho está, deste modo, na obra literária, não descartando a importância do contexto histórico-social e cultural em que a obra foi produzida. Desse modo, o caminho seria o inverso do apresentado pelo livro didático: “o estudo das condições de produção estaria subordinado à apreensão do discurso literário” (OCEM, 2006, p. 76-77), assim, a história da literatura seria utilizada para o aprofundamento das análises dos textos literários.

Entretanto, as OCEM deixam claro que, no caso do ensino de literatura, o tempo das aulas é um elemento que desfavorece um trabalho de formação do leitor, por esse motivo, sugerem uma revisão no programa curricular de ensino. Para esses documentos, “a escola não precisa cobrir todos os estilos literários. O professor pode, por exemplo, recortar na história autores e obras que ou responderam com mestria à convenção ou estabeleceram rupturas” (p. 79). As OCEM apresentam sugestões metodológicas em um plano mais geral. São os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006) que vão desenvolver essa atividade de forma mais límpida.

Assim como as OCEM, os RCEM-PB dividem as discussões sobre o ensino de língua portuguesa em dois módulos distintos: “Conhecimentos de língua portuguesa” e “Conhecimentos de literatura”. O primeiro apresenta apontamentos de teoria e metodologia de ensino, trabalhando numa perspectiva de letramento, sugerindo que o aluno:

entre em contato com exemplos de textos representativos desse mesmo gênero de referência, [para isso] o professor deve providenciar situações de comunicações bem definidas, precisas e, na medida do possível reais [...] A produção deve ser antecedida da leitura e análise de textos produzidos em situações similares [...] (RCEM-PB, 2006, p. 41)

 

Nesse sentido, os Referenciais da Paraíba trabalham na perspectiva de planejamento através de sequências didáticas. É um material que reúne teoria, crítica e propostas metodológicas de ensino.

 No que se refere aos “Conhecimentos de literatura”, o texto se baseia claramente nos pressupostos da Estética da Recepção, privilegiando o leitor e seu contato com a obra literária, trabalhando a partir de um modelo dialógico. É um documento que apresenta, do começo ao fim, propostas metodológicas de ensino. Trabalha a partir de gêneros literários, procurando levar para os alunos, inicialmente, textos contemporâneos até chegar aos textos mais complexos de nossa literatura.

Esses documentos, diferentemente das OCEM, não criticam o trabalho de ensino voltado para as indicações dos programas de vestibulares, pelo contrário, indicam metodologias que, no 3º ano do ensino médio, aproveitem os livros indicados para o processo seletivo.

Indicam, para o ensino médio, formas de abordagem para o trabalho com o gênero lírico, o conto, a crônica, a literatura dramática, o romance, a novela e a história da literatura brasileira. Dos documentos citados aqui, esse é o que apresenta sugestões mais claras e reais do trabalho com o texto literário.

 

Sequência didática para o ensino de língua materna: planejamento sistematizado

 

No texto “Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento”, de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97), encontramos a definição mais utilizada pelos pesquisadores da área de língua materna no que se refere à sequência didática: “é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. Os autores defendem que para a produção textual (oral ou escrita) se efetivar é necessário criar contextos de produção precisos. A proposta didática sugerida segue quatro etapas: apresentação de uma situação de ensino; produção inicial (escrita ou oral); atividades que trabalhem os problemas encontrados nas produções iniciais e que precisam ser superados (que chamam de módulos); e uma produção final (de onde partirá a avaliação do professor), que é resultado de reescrituras da produção inicial.

Para Lino (2006, p. 09), “De modo simples e numa resposta direta, podemos dizer que sequência didática (doravante SD) é um modo de o professor organizar as atividades de ensino em função de núcleos temáticos e procedimentais.” Podemos concluir, portanto, que um planejamento através de sequências didáticas objetiva trabalhar um, ou mais gêneros (textuais e/ou literários), através de unidades temáticas e procedimentos metodológicos sistematizados.

            No que se refere ao trabalho prático com sequência didática, encontramos autores preocupados com as discussões e análises de trabalhos que vêm sendo desenvolvidos. Todavia, localizamos apenas o trabalho de Suassuna, Melo e Coelho (2006), intitulado “O projeto didático: forma de articulação entre leitura, literatura, produção de texto e análise linguística”, preocupado com a articulação entre os elementos que compõem a materialidade da língua(gem) no ensino médio. Ou seja, no que se refere às propostas de sequência didática, encontramos inúmeros trabalhos voltados para gêneros textuais diversos. Encontramos, inclusive, sequências literárias. Contudo, planejamentos que envolvam as duas áreas só localizamos os dos autores citados acima. Seu texto propõe trabalhar a partir de projetos didáticos e/ou temáticos (ou seja, sequências didáticas). Para isso, apresentam uma experiência com projetos.

            Suassuna, Melo e Coelho (2006) conseguiram fazer articulação entre leitura, produção textual e análise linguística. Todavia, a leitura literária, mais uma vez, ficou deslocada. O percurso utilizado, ao nosso ver, para o projeto como um todo, foi eficaz, mas a literatura aparecia, ainda, como apêndice, o que dava à sensação de quebra no projeto. As atividades que envolviam literatura não apresentavam consistência, um trabalho de debruçar-se sobre o gênero. Quando se propuseram ao trabalho com os gêneros textuais, o fizeram com maestria, trabalhando os textos e pedindo que os alunos elaborassem, posteriormente, o gênero exposto, seguido de análise, revisão e reescritura. A proposta do projeto era produzir um documentário, todavia, não vimos onde os textos literários se encaixavam, tendo em vista que os depoimentos coletados eram sobre a vivência escolar.

No tocante ao ensino de literatura, os autores apresentaram o desenvolvimento do projeto a partir de três romances e um conto, mas nada foi exposto sobre a metodologia utilizada para cada um. Poderiam ter planejado um documentário sobre os romances (procurando abordar o que os alunos acharam dos textos, quais suas expectativas), o que teria solucionado o problema do projeto. Mas, para o trabalho escrito sobre os gêneros literários, foi pedida uma apreciação escrita, um memorial crítico da vida de um protagonista, uma resenha e uma tabela comparativa, sem que tivesse sido esclarecido se esses gêneros textuais haviam sido trabalhados com antecedência. Ou seja, no que se refere ao ensino de literatura, foram solicitadas quatro produções textuais, sem que esses gêneros solicitados tivessem sido trabalhados em sala, diferentemente do que aconteceu com o ensino dos gêneros textuais usados para o documentário.

Uma proposta eficaz, de modo a atrelar o ensino de língua e literatura, seria ter trabalhado um romance e o gênero resenha ou resumo, ou depoimento, entrevista, desde que os gêneros escolhidos fossem trabalhados verticalmente em sala e tivesse, de alguma forma, relação entre si.

Acreditamos que o único problema na proposta do artigo de Suassuna, Melo e Coelho está na formação acadêmica que cada pesquisador possui, tendo em vista serem formados em língua portuguesa e linguística, mas nenhum em literatura. Todavia, consideramos o trabalho dos autores de excelente qualidade, necessitando de reajustes apenas no que se refere ao ensino de literatura.

 Da mesma forma, nas sequências de Cosson (2006) e de Bordini e Aguiar (1988), expostas a seguir, notamos a ausência de um trabalho mais vertical no que diz respeito à análise linguística a partir da produção do aluno.

           

Sequência didática para o ensino de literatura: a busca pelo prazer estético

 

Pensando na perspectiva de ensino sugerida pelo trabalho desenvolvido por sequência didática, percebemos que o Método Recepcional, preconizado pelas autoras Bordini e Aguiar (1988), expõe etapas que se coadunam com a proposta exposta por Lino (2006): trabalhar a partir de núcleos temáticos e procedimentais. Em seu texto, as autoras Bordini e Aguiar apresentam, além das cinco etapas de seu método de ensino, expostas a seguir, três sugestões metodológicas que, embora sejam denominadas pelas autoras de “exemplos de unidades de ensino”, são autênticas sequências didáticas de literatura.

Notamos que os textos teóricos e metodológicos voltados para o assunto (sequência didática) estão voltados para o ensino de leitura e escrita, de um modo geral. Em nossas pesquisas, encontramos apenas três textos que se referem, especificamente, ao trabalho com sequência didática para o ensino de literatura: “O projeto didático: forma de articulação entre leitura, literatura, produção de texto e análise linguística”, de de Suassuna, Melo e Coelho (2006), exposto no tópico anterior; “Método Recepcional”, de Bordini e Aguiar (1988), e “A sequências básica” e “A sequência expandida”, no livro Letramento literário, de Cosson, (2006).

O texto “Método Recepcional” desenvolve seus trabalhos à luz da Estética da Recepção e do Efeito[1], teorias que colocam o leitor em evidência, haja vista que, durante décadas, o ensino no Brasil não priorizou o ponto de vista do leitor, pois o método tradicional, com tendências ao autoritarismo, castrou consideravelmente a participação dos receptores no processo de aprendizagem. O Método Recepcional, nesse sentido, contraria, em diversos pontos, essa tradição, não apenas questionando sua eficácia, como também sugerindo uma nova forma de trabalho, voltado para a experiência do leitor.

Para e Estética da Recepção, os leitores concebem e interpretam a obra utilizando o que possuem em termos ideológico, social, linguístico, intelectual, etc. Essas pré-condições de interpretação e interação com o texto são chamadas de “horizontes de expectativas”. Nessa perspectiva, o objetivo do Método Recepcional é ampliar esse horizonte dos leitores. Para isso, o professor precisa estar ciente de que terá de introduzir textos que desafiem a compreensão e aceitação inicial dos alunos.

Para desenvolver o Método Recepcional, Bordini e Aguiar (1988) elaboraram cinco etapas, a saber: 1) determinação do horizonte de expectativas dos alunos (sondar o conhecimento prévio do aluno: para isso, podem ser utilizados diversos recursos, tais como questionários, entrevistas, observação direta do comportamento, reação a leituras anteriormente feitas, etc); 2) atendimento do horizonte de expectativas (trabalhar com os alunos os textos e temáticas que estão próximos de suas realidades, que atraiam a atenção dos leitores iniciantes); 3) ruptura do horizonte de expectativas (levar textos gradativamente mais complexos); 4) questionamento do horizonte de expectativas (levar os alunos a compararem e refletirem sobre suas expectativas iniciais e atuais); e 5) ampliação do horizonte de expectativas (mostrar que os horizontes dos alunos foram modificados). Esses procedimentos geralmente giram em torno de núcleos temáticos cujos objetivos são a transformação ou ampliação do conhecimento do educando.

No que concerne à proposta de Cosson, nos textos “A sequências básica” e “A sequência expandida” são apresentas duas sugestões de trabalho: a primeira com quatro etapas: motivação, introdução, leitura e interpretação, que consistem em um trabalho voltado para a leitura efetiva do texto literário. A segunda, com as mesmas etapas, acrescidas de outras: motivação, introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização, segunda interpretação e expansão. A sequência expandida tem um trabalho voltado para a elaboração (e reelaboração) do texto escrito, além de trabalhar, na contextualização, com fatores teóricos, históricos, estilísticos, poéticos, críticos, temáticos etc, o que amplia o horizonte de expectativas dos alunos, consolidando o trabalho do Método Recepcional.

A partir da análise das propostas de Cosson (2006), de Bordini e Aguiar (1988) e de Suassuna, Melo e Coelho (2006) verificamos uma interação com as orientações dos documentos oficiais de ensino. Por esse motivo, acreditamos que um curso de formação inicial e continuada, que contemple esses textos, orientado por profissionais das duas áreas, conseguirá preparar o professor de literatura e língua materna para um trabalho eficaz em sala de aula do ensino fundamental e médio.

 

 

Sequências didáticas de literatura e língua materna: como planejar, como praticar

 

Seria importante o estagiário ou professor estudar os quatro documentos oficiais (LDB, PCN, OCEM e RCEM-PB), na ordem em que surgem no contexto escolar, haja vista serem a construção completar um do outro. Desse modo, o estudo dos quatro, na ordem em que surgem no meio educacional, norteia o professor no seu fazer pedagógico.

Observamos, em nossa experiência de três semestres ministrando o componente de Estágio Supervisionado, que a grande maioria dos professores de escola pública não utiliza as orientações desses documentos. Entendemos que esse fato se deve ao pouco conhecimento do material e à falta de orientação para a transposição didática. Acreditamos que se houvesse cursos de formação com análise desses documentos e apresentação e discussão de propostas de elaboração e aplicação de materiais didáticas, os professores de escolas públicas poderiam desenvolver um trabalho de qualidade.

Na verdade, no que se refere ao ensino de modo geral, ainda temos professores metodologicamente pouco preparados. Temos, ainda, por exemplo, poucas experiências de leitura literária e letramento. O que está havendo? Se temos documentos oficiais de referência para o ensino, se somos formados em um curso de licenciatura, o que nos falta enquanto professores do ensino fundamental e médio? Falta certamente uma formação inicial e continuada mais planejada, mais preocupada com a formação do aluno/professor. Nossos professores são carentes de fundamentação teórico-metodológica e de exemplos práticos.

Nesse sentido, discutimos, neste trabalho, formas de planejamento e aplicação de sequências didáticas para o ensino médio (que podem ser aproveitadas e/ou convertidas para trabalhos no ensino fundamental). No tocante ao planejamento, o primeiro passo seria ter acesso ao material didático dos autores expostos aqui: sem formação não há como o planejamento se efetivar. Em seguida, pensar na necessidade do aluno: esse seria o ponto de partida para as escolhas didáticas.

Para elaborar uma sequência didática, as seguintes etapas são essenciais: primeiro escolher o(s) gênero(s) que será trabalhado, depois, a temática norteadora, objetivos, conteúdos e atividades. É importante, inicialmente, apresentar aos alunos a proposta didática elaborada, e em quantas etapas será dividida. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) sugerem, para a sequência: elaboração de uma produção inicial, exercícios em grupo e individuais, visto que os precisam vivenciar o gênero, para, gradativamente, adquirirem conhecimento e segurança sobre ele e, por fim, uma produção final (reelaboração da inicial).

Tendo em vista que, uma vez inserido no contexto escolar do ensino fundamental e médio, o professor da disciplina Língua Portuguesa precisará atuar em todas essas áreas: leitura, leitura literária, análise linguística e produção textual, propomos que dois gêneros (um textual e outro literário) sejam escolhidos como eixos para o planejamento didático.

A transposição didática, ou seja, o desenvolvimento do planejamento, deve se iniciar com a apresentação da proposta de ensino para a turma. Em seguida, apresentar uma motivação que prepare a turma para receber os textos que virão. Posteriormente, ler, analisar e discutir textos de um mesmo gênero, sem apresentar de forma tradicional suas características. A partir das análises iniciais (sejam elas orais ou escritas), ir percebendo com os alunos que aspectos são recorrentes naqueles textos, qual a situação de comunicação se apresenta, quais os destinatários e objetivos. Desenvolver um trabalho de leitura e análise e torno de um ou dois gêneros é mais proveitoso que levar os alunos a conhecerem diversos gêneros, sem que reconheçam pelo menos um de forma particular. Aqui não estamos negando a inserção de vários gêneros nos planejamentos didáticos. Estamos apenas delegando dois como os norteadores (que são os que os alunos devem ter um contato mais profundo), contudo, outros gêneros poderão e deverão ser introduzidos, de modo a enriquecer o fazer pedagógico.

 Desse modo, acreditamos que oito gêneros por ano letivo (dois a cada bimestre), se bem trabalhados, seria suficiente, tendo em vista que, concluído o ensino fundamental, o aluno teria estudado mais de 60 gêneros (dando o desconto para os gêneros que seriam retomados em séries posteriores), e teria tido acesso a outros tantos, tendo em vista que a sequência se preocupa em trabalhar um gênero em constante diálogo com outros.

Em nossa experiência como orientadora de estágio tivemos inúmeras experiências no ensino médio, dentre elas, só para citar um exemplo, tivemos um aluno que trabalhou os gêneros romance e resenha, a partir da temática “identidade nacional”. Para isso, levantou discussões sobre dois filmes que estavam circulando na época. Em seguida, pediu para que os alunos pesquisassem em jornais, revistas, livros e internet comentários sobre esses filmes para serem discutidos posteriormente. Discutidos os textos pesquisados, foram evidenciadas suas estruturas e características gerais. A partir de dois exemplos, escolhidos pelo estagiário, foi realizada uma análise linguística do gênero resenha. Posteriormente, assistiram a um filme baseado em um romance nacional (Macunaíma, de Mário de Andrade). Assistido o filme, o estagiário discutiu com a turma dois capítulos do romance que havia pedido leitura extraclasse (em cujo filme havia sido baseado), fazendo relação com o filme exposto. Os alunos eram instigados, nas discussões, a fazerem a leitura integral da obra.

Nesse contexto, foram introduzidas algumas contextualizações sugeridas por Cosson (2006), como o contexto histórico, estilístico, temático, etc. Assim, em seguida, foi pedido que elaborassem uma resenha sobre o filme Macunaíma. Na correção da produção dos alunos, o estagiário procurou selecionar as dificuldades mais recorrentes na escrita da turma e usá-las em exercícios de análise linguística. Realizada essa etapa, os textos foram devolvidos para a etapa de reescritura, com as correções sugeridas pelos RCEM-PB (2006). Uma vez reescritos, os textos foram avaliados pelo estagiário e divulgados em um caderno de resenhas, elaborado pela turma, que ficou exposto na biblioteca da escola mas que deveria ser utilizado em sequências didáticas posteriores, com os mesmos gêneros, em outras turmas.

Ressaltemos que, no curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba (Campus I), o componente curricular Estágio Supervisionado para o ensino médio (Estágios III e IV) é ministrado por dois professores-orientadores e supervisores (um de literatura e outro de língua materna): o que possibilita um trabalho integrado entre língua e literatura.

 No Estágio Supervisionado III, em um primeiro momento, estudamos, na universidade, textos sobre ensino de literatura e língua materna; em um segundo momento, nossos alunos monitoram professores da rede estadual de ensino em suas atividades pedagógicas e, em um terceiro momento, retornam à universidade para apresentarem seus relatos de experiências didáticas.

Baseados nos textos teórico-metodológicos estudados no componente Estágio Supervisionado III, os alunos-estagiários elaboram, no Estágio Supervisionado IV, sequências que apresentam uma prática desenvolvida a partir de gêneros (textuais e literários), numa perspectiva que interrelaciona leitura, leitura literária, produção textual e análise linguística, a partir de uma temática norteadora, com tempo estimado, conteúdo(s) selecionado (s), objetivos, procedimentos metodológicos detalhados, recursos materiais, formas de avaliação, referências (do material utilizado na sequência), apêndice (material elaborado pelo estagiário e turma colaboradora) e anexos (material, de outros, usado nas aulas).

 

 

Hiatos entre universidade e escola pública: diálogos entreabertos

 

Mesmo diante dos materiais didáticos expostos neste capítulo e do trabalho de “parceria” entre universidade e escola pública, notamos que a escola poderia ser mais beneficiada se houvesse um programa de atuação em que os professores das escolas fossem constantemente formados, de acordo com as propostas metodológicas utilizadas na universidade, tendo em vista que esta tende a fornecer, através de pesquisas, textos teórico-metodológicos atualizados, que poderiam ser trabalhadas em parceria com os professores de escolas públicas periodicamente.

Durante o estágio de intervenção (Estágio III), nossos alunos interferem em uma realidade pedagógica, mas, no final do período do estágio, pouco conseguem modificar essa realidade, uma vez que o professor da escola não está preparado para dar continuidade ao trabalho pedagógico iniciado pelo estagiário. Pressupomos que isso acontece porque o professor não tem uma formação para desenvolver esse trabalho.

Com o contato com os professores das escolas públicas conveniadas à UEPB para o Estágio Supervisionado, sentimos a necessidade de promover um curso de formação para estes, tendo em vista que os professores não estavam preparados para receber nossos alunos com nossas (novas?) propostas metodológicas de ensino. Nesse sentido, também não estavam preparados para dar continuidade, caso quisessem, ao trabalho iniciado por nós. Desse modo, interferíamos numa realidade de ensino, saíamos dela e, então, tudo voltava a funcionar como antes.

Por esse motivo, começamos a nos inquietar sobre o nosso papel social e passamos a nos questionar: de que forma a universidade poderia trabalhar de forma dialogada com o ensino público, de modo a haver uma troca de experiências entre os membros da universidade e os da escola pública? Ansiosos por respostas, refletimos, a seguir, sobre algumas possibilidades que, infelizmente, ainda não puderam ser postas em prática.

Na intervenção de nossos alunos nas escolas públicas, percebemos que eram, constantemente, criticados pelos professores-regentes. Isso se dava, averiguamos, pelo embate de metodologias entre estes e aqueles. Para que esse fato não ocorra, uma possível solução seria formar, junto com nossos estagiários, cursos de formação que estudem materiais teórico-metodológicos voltados para o ensino de literatura e língua materna. Sendo assim, os professores poderiam dar continuidade ao nosso trabalho, ao fim do estágio, além de auxiliar o desenvolvimento das sequências dos estagiários dos semestres posteriores, construindo um trabalho sistematizado.

Pensamos que, além do trabalho de formação continuada do professor, poderia ser criado um site em que as sequências didáticas elaboradas no curso de Letras fossem divulgadas[2]. Desse modo, os professores, que usam a desculpa de falta de tempo, a partir da formação continuada e de propostas de sequências em mãos, poderiam adaptá-las às suas realidades de sala de aula.

 

 
Considerações finais

 

Como foi exposto, a partir da LDB (n° 9.394/96), nosso país vem mostrando maiores preocupações com o ensino público. Progressivamente, foram surgindo documentos oficiais que norteiam o ensino. Esses documentos originaram, principalmente a partir de 2006, propostas de trabalho preocupas com o letramento. Todavia, mesmo diante de tais propostas, o ensino ainda é problemático. Por isso, compreendemos que o que falta ao professor é orientação pedagógica.

Em relação aos documentos oficiais, encontramos, apenas, estudos de Pinheiro (2004) e de Rojo e Jurado (2004) que falam sobre os PCN. Todavia, não encontramos textos que dialoguem sobre os documentos mais recentes: OCEM e RCEM-PB. Por esse motivo, sentimos a necessidade de divulgar esse material.

No que se refere ao trabalho voltado para sequência didática de literatura, encontramos excelentes propostas nos textos de Bordini e Aguiar e de Cosson. Sobre sequências com gêneros textuais diversos encontramos muitos textos. Todavia, exemplos de trabalhos que articulassem língua e literatura só foram encontrados em Suassuna, Melo e Coelho (2006), embora com as limitações no que se referem ao trabalho com a literatura. Todavia, nosso objetivo, nesse trabalho, foi apresentar as possibilidades de planejamento e aplicação no que se refere ao ensino da disciplina Língua Portuguesa no nível médio (ou fundamental), a partir de um planejamento sistematizado, denominado sequência didática.

 

Fontes consultadas


ALMEIDA, Geraldo Peçanha. Transposição didática: por onde começar? São Paulo: Cortez, 2007.

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Método Recepcional. In: Literatura: a formação do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.  Brasília: MEC, 1996.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Conhecimentos de Língua Portuguesa. In: Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério de Educação, 1999.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Conhecimentos de literatura; Conhecimentos de Língua Portuguesa. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério de Educação, 2006.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; NOVERRAZ, Michele. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

ISER, Wolfgang. A interação do texto com o leitor. In: LIMA, Luis (org.). A literatura e o leitor: textos de Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.

LINO, Denise. Seqüência didática: o que é como se faz? In: LINO, Denise; AMORIM, Karine Viana (orgs.). Práticas: de ensino de língua e literatura. ano 1, v. 1, nº 1. Campina Grande: EDUFCG, 2006.

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[1] É necessário destacar a diferença de concepção entre a Estética da Recepção, idealizada por Jauss, e a Estética do Efeito, desenvolvida por Iser. A primeira se forma a partir da reconstrução histórica de juízos de leitores particulares sobre um determinado texto. A segunda articula-se a partir da análise da estrutura peculiar do texto ficcional e, por isso, pretende elaborar uma descrição da interação que ocorre entre texto e leitor no ato da leitura.
[2] Sugestão: As sequências poderiam ser divulgadas no meio digital, uma vez que poderiam ser acessadas a nível nacional. Assim, poderiam ficar sendo depositadas semestralmente, desde que esse trabalho fosse divulgado nas escolas e universidades. Os relatórios finais de estágio estão abarrotados de boas sequências que ficam, quando muito, “escondidas” nas prateleiras de nossas bibliotecas, ao alcance, quando ficam, dos alunos do componente. As sequências poderiam ser divididas, no meio virtual, por temáticas e gêneros, trabalho organizado por um grupo de professores engajados nesse projeto.

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